Quinta-feira, 31 de
outubro de 1996
Aeroporto de Congonhas,
São Paulo
Pintado de azul escuro, com a
inscrição "number 1", o Fokker 100, prefixo PT-MRK, da TAM, taxiou pela
pista 17 R do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Eram 8 horas e 20
minutos da quinta-feira, 31 de outubro, o popular "Dia das Bruxas".
Próximo da cabeceira os comissários
Marcelo Binotto, Flavia Fusetti Fernandes, Mariceli Pires Carneiro e
Janaina Kakke dos Santos realizavam os últimos preparativos para a
decolagem e na cabine o experiente Comandante José Antônio Moreno, 35
anos de idade e nove mil horas de voo e cinco anos pilotando o Fokker
100, juntamente com o copiloto Ricardo Luís Gomes
Martins, 27 anos, com quatro mil horas de voo, sendo 160 delas em Fokker
100.
O voo 402 da TAM entre São Paulo e Rio
no início da manhã é conhecido como o voo do mercado. O horário das 8h30
é o preferido dos executivos de bancos e empresas que embarcam
diariamente rumo ao Rio para fechar negócios, visitar clientes ou para
simples reuniões nas companhias.
Pelo menos dezesseis pessoas
diretamente ligadas a empresas financeiras estavam na lista de
passageiros. O Unibanco tinha oito funcionários na aeronave. O Citibank
um diretor e um funcionário de uma empresa coligada, a Interchange.
Também havia a bordo executivos do Banco de Boston, Banco Cidade, Chase
Manhattan Bank, Itaú, Banco Santos e Banco Garantia.
O plano do voo 402 indicava que o
avião deveria chegar à cabeceira dos 1.940 metros de pista, a mais de 33
metros de altura. Acelerando em linha reta, o piloto ganharia pelo menos
165 metros de altura quando, então, faria uma curva à esquerda. Seria o
caminho certo para o 'Number 1" levar seus 90 passageiros e seis
tripulantes ao Rio de Janeiro.
Após o taxi, a aeronave toma
posição na cabeceira da pista 17R. A Torre de Congonhas faz contato. A
autorização para a decolagem é dada.
08:26:00 - Torre de Congonhas:
...torre de decolagem... vento 060 graus... 6 nós... após decolagem 119
8...
A aeronave começa a rolar pela
pista ganhando velocidade.
08:26:02 - Copiloto: 02 iniciando.
08:26:03 - Piloto: TOGA!
Em aviação, a expressão TOGA é a
junção em inglês das iniciais de "Take-Off/Go-Around".
08:26:04 - Copiloto: Take off, take
off green.
Um bip é ouvido na cabine.
08:26:06 - Piloto: Ai… ai… o que é?
08:26:08 - Copiloto: Tá manual.
08:26:10 - Piloto: O auto-throttle...
tá fora, tá!.
Um duplo bip é ouvido na cabine.
08:26:15 - Piloto: O auto-throttle
tá fora.
O copiloto ajusta as manetes
manualmente e informa ao capitão:
08:26:19 - Copiloto: Thrust
check.
O avião acelera ultrapassando os 80
nós.
08:26:32 - Copiloto:
V-one.
Às 08:26:34 a aeronave alcança a
velocidade de 131 nós.
Às 08:26:36 o Fokker atinge os 136
nós e decola, subindo num ângulo de 10 graus. Nesse mesmo instante, um
choque é sentido e a ocorre uma súbita perda de potência no motor nº 2.
No exato instante em que o avião
sai do chão, o reverso da turbina direita se abriu e inverteu a
propulsão daquele motor para trás, como uma marcha à ré. Na cabine, o
painel não deu nenhum sinal de alarme, mas o manete de aceleração do
motor recuou violentamente, puxado por um sistema de cabos de segurança
ligado ao reverso. Esse sistema serve para evitar que o reverso fique
aberto com o motor acelerado.
A tripulação, surpreendida por uma
circunstância anormal nesta fase do voo, interpreta a falha como sendo o
prosseguimento de uma indicação de falha do sistema "auto throttle" (uma
falha do sistema de aceleração automática) e procura executar
imediatamente uma ação corretiva.
O defeito é cíclico. O reverso se
fecha, mas volta a abrir outras duas vezes em 10 segundos. Quando
fechado, permite que o manete possa ser levado à frente. no momento em
que o reverso se abre, o manete volta a ser recuado e permanece travado.
O avião estava a 129 pés.
08:26:40 - Copiloto: Rotate.
Travou!
Em solo, o mecânico Antônio Bueno
ouviu um barulho estranho. De dentro de um hangar da Líder Táxi Aéreo,
localizado próximo à cabeceira 35, ele se virou e olhou para o céu.
Sabia que era o barulho do reverso, o movimento que inverte o fluxo do
ar e abre a parte traseira da turbina em forma de concha para auxiliar a
frenagem na hora do pouso.
"Quando eu ouvi o barulho, olhei e vi a
concha se abrindo, e outra vez e outra vez.", relatou mais tarde.
"O reverso abriu! O reverso abriu!", gritava ele, como se os pilotos do
avião pudessem ouvi-lo.
A perda de potência no motor nº 2
fez com que a aeronave derivasse à direita mantendo-se a baixa altitude
e velocidade. O comandante aplicou o leme e o aileron esquerdo para
neutralizar o movimento do avião.
O copiloto avançou as manetes, mas
eles retornaram a posição anterior quase que imediatamente, fazendo com
que a potência de ambos os motores caísse bruscamente.
Preocupados com a movimentação das
manetes, os tripulantes continuavam não se dando conta que o reversor
estava em funcionamento.
Mais uma vez os dois empurraram as
manetes para frente.
08:26:44 - Piloto: Desliga lá em
cima... o auto-throttle! Puxa aqui!
Os tripulantes aceleram a turbina
direita sempre que o equipamento permite. Na segunda vez em que o manete
direito recua, a mão do tripulante traz junto o manete do motor
esquerdo.
Por quatro segundos, os dois
motores ficam com aceleração mínima. A velocidade da aeronave no ar caiu
para 126 nós.
Quando o manete está travado, a
força exercida pelo piloto ou pelo copiloto sobre ele chega a ser de 50
kg.
O copiloto avisa que desativou o
auto-throttle.
08:26:48 - Copiloto: Tá off!
O desespero toma conta da cabine.
08:26:51 - Piloto: Lá em cima, lá
em cima... aqui também!
08:26:52 - Copiloto: Tá off! Tá
off!
Em seguida, o copiloto empurra a
manete totalmente para a frente mais uma vez. O sistema de cabos de
segurança que evita a abertura do reverso com o motor acelerado cede. O
manete de aceleração da turbina direita é liberado, embora o reverso
permaneça aberto. O defeito desestabiliza por completo a aeronave.
A tripulação mantém a carga sobre o
manete e o leva à frente (acelerando o motor) no momento em que ele fica
livre.
Com o reversor implantado, a
velocidade do avião diminuí a razão de 2 nós por segundo.
Às 08:26:55, os manches começam a
fazer muito barulho vibrando intensamente. É o prenúncio que o avião
entrou em estol.
O PT-MRK, impulsionado para a
frente pelo motor esquerdo, e para trás pela turbina direita, tomba para
a direita num ângulo de inclinação 39 graus e inicia sua decida final. O
Comandante Moreno pressente a tragédia:
Piloto: Ai meu Deus… do… céu!
Sete segundos depois, ouve-se o
aviso do sistema de aviso de proximidade do solo da aeronave.
08:27:02 - GPWS: Dont’t sink...
("Não afunde...")
O avião colide contra um primeiro
prédio de dois andares na Rua Jurupari, nº 40. Em seguida,
choca-se contra um segundo prédio e perde parte de sua asa direita. Na sequência, arranca o telhado de um sobrado
e faz sua primeira
vítima fatal em solo, o pedreiro Tadao Funada que fazia reparos no local e
morreu carbonizado.
Por fim, o Fokker 100 cai
sobre diversas casas na Rua Luis Orsini de Castro, no Jabaquara,
a cerca de dois quilômetros do aeroporto, causando grande destruição e fazendo mais duas vítimas em solo, o
professor Marcos Antônio de Oliveira, soterrado em sua garagem e o
cunhado dele, Dirceu Barbosa Geraldo, que estava na calçada (este chegou
a ser hospitalizado, mas, com queimaduras de 3º grau em 75% do
corpo, faleceu cerca de 30 dias após o acidente).
Quando finalmente parou, a aeronave
com os tanques cheios de querosene, e com apenas 18 lugares vazios,
explodiu em chamas, matando seus 96 ocupantes.
Por: Jorge Tadeu da
Silva |