Balanço da investigação sobre o acidente
do voo AF 447 ocorrido em 1º de junho de 2009
Domingo, 31 de maio de 2009, às 22 h 29 UT (1)
(ou seja, 19 h 29 hora de Rio), o Airbus A330-203, matrícula F-GZCP,
operado pela empresa Air France, nº de vôo AF447, decolou do aeroporto
do Galeão no Rio de Janeiro com destino ao aeroporto Paris Charles de
Gaulle. O avião transportava 216 passageiros de 32 nacionalidades
diferentes, assim como 12 membros da tripulação. No meio de noite, cerca
de 3 horas e 45 minutos depois da decolagem, o avião caiu no oceano
Atlântico, a aproximadamente 435 milhas náuticas a NNE da ilha de
Fernando de Noronha, sem que nenhuma mensagem de emergência tenha sido
emitida. O último contato entre o avião e o controle aéreo brasileiro
tinha sido feito 35 minutos antes, aproximadamente.
(1) O tempo universal (UT,
em inglês)
é a referência de tempo utilizado na aviação. É necessário retirar 3
horas para obter a hora no Brasil e acrescentar 2 horas para obter a
hora na França metropolitana no dia do acidente.
Operações de busca no mar
Os centros de controle
aéreo emitiram um alerta (2)
cerca de 7 horas depois do último contato com o avião. Foi então
iniciada uma primeira fase de buscas que contou com amplos recursos
navais e aéreos, fornecidos pelas forças armadas brasileiras, francesas
e americanas.
No dia 6 de junho, ou
seja, 5 dias após o acidente, visualizou-se os primeiros destroços
flutuando na superfície. No total, foram encontrados mais de 1.000
destroços materiais e corpos de 50 pessoas.
As operações foram
interrompidas em 26 de junho, pois já há vários dias nenhum outro
fragmento ou corpo havia sido encontrado.
Os corpos foram enviados a
Recife para serem autopsiados pelas autoridades brasileiras.
Em 10 de junho
iniciaram-se as operações de buscas submarinas com material acústico
fornecido pela França e pela marinha Norte-Americana. Elas buscam
localizar as balizas anexadas aos registradores de vôo, cujos sinais são
emitidos durante 30 dias. Mas estas operações foram interrompidas no dia
10 de julho, sem que tenha sido possível localizar as balizas.
Os corpos foram em seguida
enviados às instalações do Centro de Estudos Aeronáuticos de Toulouse (CEAT)
para serem examinados pelas autoridades francesas.
Em seguida, de 27 de julho
a 17 de agosto, foi realizada uma nova fase de buscas submarinas com a
utilização de meios de busca diferentes, pois as balizas acústicas não
transmitiam mais: seriam empregados agora sonares e robôs submarinos. No
entanto essa fase também foi infrutífera.
(2) Em caso de perda de
contato de um avião, o alerta deve ser acionado pelos centros de
controle aéreo para que seja providenciado o socorro. Existem diversos
níveis de alerta.
Organização e desenrolar da
investigação
Assim que tomou
conhecimento do acidente, o Bureau Francês de Investigação e Análise
para a Segurança da Aviação Civil (BEA) foi encarregado da investigação
técnica. Com efeito, de acordo com os dispositivos internacionais do
Anexo 13 da Convenção de Chicago, que rege as investigações
aeronáuticas, o Bureau é competente para realizar as investigações
relativas aos acidentes ocorridos com aviões usados pelas companhias
francesas, quando estes acontecem em águas internacionais. Foi nessa
qualidade que o Bureau dirigiu as operações de busca submarinas.
Representantes credenciados ao BEA e colegas brasileiros, alemães,
americanos e britânicos foram envolvidos nessa investigação.
Levando em conta o fato de
que os registradores de vôo não foram encontrados e que não foi possível
examinar a carcaça, os principais elementos de que dispomos nesse
momento e que interessa a investigação, diz respeito:
1. à tripulação
2. ao avião
3. às condições
meteorológicas
4. ao preparo do vôo
5. ao desenrolar do vôo
6. às mensagens de
manutenção do sistema ACARS transmitidas automaticamente por satélite à
sede da companhia aérea
7. aos destroços materiais
8. às autópsias
9. às ocorrências ligadas
às incoerências das medidas de velocidade
1. Tripulação
Para os vôos de longa
distância, a tripulação de pilotagem, composta normalmente de dois
pilotos, é reforçada. Dessa forma, esse vôo dispunha de um comandante de
bordo e de dois co-pilotos, que possuíam, todos, as qualificações e o
treinamento exigidos. Nesse tipo de vôo, fica a critério do comandante
determinar o horário de seu descanso, que se faz durante a fase de
cruzeiro, par que ele possa estar disponível na chegada. Por esse
motivo, a investigação não pôde determinar com certeza se o comandante
estava em repouso ou no comando no momento do acidente.
2. Avião
O estado do avião
apresentava-se normal do ponto de vista técnico, no momento da
decolagem. A massa e a centragem estavam dentro dos limites autorizados.
Os atos de manutenção exigidos tinham sido efetuados. O aporte de
combustível era superior ao consumo previsto para o vôo e permitia um
aumento de autonomia de mais de uma hora, a ser usada a critério do
comandante. Finalmente, um dos 3 emissores VHF não funcionava, mas esse
fato não tinha consequências operacionais.
3. Condições meteorológicas
A rota do avião
atravessava a área de convergência intertropical, que é conhecida como
um local de origem de tempestades frequentes. As análises meteorológicas
feitas pela Météo-France, e complementadas pelas observações de
satélites da NASA, indicam que o avião atravessou uma barreira de
cúmulos-nimbos contínuos, que causam turbulências, mas não relâmpagos,
cuja formação não foi súbita. Nada indica que essa fosse uma situação
excepcional.
4. Preparação do vôo
• A
preparação na companhia aérea
A navegação do vôo havia
sido preparada pelo Setor Central de Estudos da empresa e pelo setor
competente na escala do Rio e foi entregue à tripulação antes da
partida. A tripulação dispunha principalmente das últimas informações
meteorológicas disponíveis e tinha a possibilidade de consultar na
própria escala mapas meteorológicos e fotos satélites pelo servidor da
Air France. A preparação do vôo foi feita normalmente.
• O
plano de vôo
Com base nos elementos
fornecidos pelas companhias, e conforme as regras em vigor no Brasil,
antes da decolagem os órgãos de navegação aérea brasileiros depositam o
plano de vôo para a partida nos centros de controle a serem sobrevoados.
Porém, o centro de controle de Dakar não recebeu o plano de vôo e logo
não foi informado da partida do avião. No entanto, as informações
relativas ao vôo foram transmitidas oralmente, pelo controle aéreo
brasileiro ao controle aéreo de Dakar, cerca de 45 minutos antes da
entrada prevista na área de Dakar.
5. Desenrolar do vôo
O último contato com o
controle aéreo brasileiro ocorreu às 1 h 35 min 15 TU, na área limítrofe
do raio de ação do radar: até esse momento nada de particular ocorreu.
Às 2 h 01 TU, a tripulação tentou em vão se conectar pela terceira vez
ao sistema ADS-C de controle aéreo de Dakar. Este insucesso resultou da
transcrição incorreta feita pelo controlador aéreo de Dakar da matrícula
do avião fornecida pelo controle aéreo brasileiro.
Até o último ponto de
reporte de posição transmitido automaticamente pelas mensagens ACARS,
não ocorreu desvio maior que 1 milha náutica na rota prevista para o
avião. Uma eventual alteração da rota, como por outros vôos que
atravessam essa área no mesmo período, só pode ter ocorrido nos últimos
cinco minutos do vôo.
6. Mensagens de manutenção ACARS
A primeira das mensagens
ACARS, ligada a um problema de incoerência na medida de velocidade, foi
enviada às 2 h10, ao mesmo tempo em que foi enviada a última mensagem de
posição.
As mensagens ACARS são
transmitidas automaticamente, sem que o piloto intervenha, à sede da
companhia aérea com fins de manutenção.
O conteúdo e a freqüência
dessas mensagens diz respeito à companhia. Elas não contêm informações
sobre os parâmetros de vôo, somente sobre o estado dos sistemas e a
posição do avião. A origem do conjunto de mensagens ACARS recebidas já
está compreendida; quase todas estão relacionadas com defeitos nas
medidas de velocidade.
7. Destroços materiais
O exame dos destroços
materiais indica que o avião bateu violentamente na superfície da água,
com o nariz ligeiramente levantado e não apresentando inclinação. Com
exceção talvez dos elementos menores, o avião estava intacto no momento
do impacto, pois os destroços encontrados eram originários do conjunto
da célula da aeronave. O avião estava pressurizado e nenhuma preparação
foi realizada para a amaragem. As asas estavam em configuração de
cruzeiro.
8. As autópsias
A identificação das
vítimas permitiu determinar que elas estavam distribuídas no interior da
cabine.
As autópsias indicam que a
maior parte dos ferimentos era compatível com um choque violento de
baixo para cima.
9. Eventos ligados às
incoerências na medida de velocidade
As sondas Pitot são tubos
que permitem medir a velocidade do avião em relação ao ar. Elas são um
dos elementos de uma cadeia de medidas que permitem determinar também a
temperatura do ar e o número de Mach (relação da velocidade do avião com
a velocidade do som). Logo esses equipamentos são essenciais para o vôo.
Os aviões estão equipados
com 3 sondas Pitot cujas medidas são comparadas. É a incoerência das
velocidades medidas que desencadeia a desconexão de diferentes sistemas
de pilotagem: piloto automático, controle automático de potência e
diretor de vôo.
• A
certificação das sondas Pitot
Quando da concessão de uma
certificação de o tipo do avião, verifica-se através de cálculos e
testes a conformidade dos diferentes sistemas com os critérios de
certificação. Todas as sondas com as quais os Airbus estavam equipados
satisfaziam não somente os critérios em vigor, mas também as mais
exigentes especificações determinadas pelo construtor e, deste modo,
estavam aprovadas pelas autoridades de certificação.
No entanto, esses
critérios não abrangem a totalidade das situações que podem enfrentar os
aviões modernos de longa distância. Com efeito, eles navegam em níveis
de vôo extremamente elevados, onde, não se considera com precisão a
composição das massas nebulosas.
•
Histórico das sondas Pitot nos A330/A340
Até esse momento as
tripulações não informavam sistematicamente as companhias (3),
sobre os incidentes de incoerência na medida de velocidade (4),
ligados ao bloqueio das sondas Pitot pelo gelo, porque em geral eles são
considerados como eventos controláveis. Os eventos transmitidos à Airbus
e à AESA foram classificados como ocorrências que não justificavam uma
providência imediata. No entanto, em razão do aumento do número de
incidentes transmitidos desde setembro de 2008, certo número de
providências foram tomadas, antes do acidente, primeiro pela Airbus e
depois pelas companhias aéreas com objetivo de mudar os modelos de
sonda.
Assim, o primeiro lote de
sondas Thales, modelo BA, que deveria substituir o modelo AA presente no
avião acidentado chegou à Air France 6 dias antes do acidente.
(3) Em inglês: UAS ou «
unreliable air speed ».
(4) Os pilotos têm
obrigação de informar à companhia sobre eventos que coloquem em jogo a
segurança. As empresas, por sua vez, informam as autoridades e o
fabricante do avião em função da gravidade do evento.
•
Análise dos incidentes anteriores
No âmbito da investigação,
o BEA analisou detalhadamente 13 eventos significativos relativos a 5
companhias aéreas operando com A330/A340. Cerca de quarenta outros
eventos não puderam ser integralmente analisados pois não havia
elementos suficientes.
Os eventos analisados
apresentam certo número de semelhanças:
• Ocorreram em massas de
ar altamente instáveis e o centro de fenômeno de convecção profunda,
• O piloto automático se
desconectou em todos os casos;
• A duração máxima de
invalidez contínua das velocidades registradas é de três minutos e vinte
segundos;
• As variações da altitude
não comandadas ficaram em um intervalo de mais ou menos mil pés;
• O avião ficou o tempo
todo no seu domínio de vôo.
Resumo
Nesse ponto da
investigação, e apesar de todas as análises detalhadas realizadas pelo
BEA a partir dos elementos disponíveis, não é ainda possível compreender
as causas e as circunstâncias do acidente.
O BEA confirma que o
fenômeno de incoerência de medida da velocidade foi um dos elementos,
dentro de uma cadeia de eventos, que conduziram ao acidente, mas que
esse fenômeno não pode por si só explicá-lo.
O BEA tomou conhecimento
de que várias providências relativas ao treinamento das tripulações e à
substituição das sondas Pitot dos A330/A340 já foram tomadas pelas
companhias aéreas e pela Airbus.
No entanto, é necessário
fazer, nesse momento, duas recomendações:
• A primeira se baseia nos
trabalhos de um grupo internacional criado pelo BEA que visa melhorar a
eficácia dos equipamentos de localização dos aviões e a coleta dos dados
gravados para a análise dos acidentes aéreos, quando esses se produzem
no mar. Trata-se de poder dispor mais rapidamente e de forma mais segura
dos dados necessários para a compreensão do acidente;
• A segunda, visa
tipificar melhor a composição das massas nebulosas de grande altitude
nas quais navegam os aviões de longa distância e tirar as conseqüências
necessárias em termos de certificação dos aviões.
Continuação da investigação
O BEA prossegue suas
investigações a partir de elementos de que ele dispõe atualmente.
No entanto, para
compreender o acidente é necessário analisar os dados provenientes dos
registradores de vôo e, na falta deles, examinar a carcaça. Por isso o
BEA começou os trabalhos preparatórios para a realização de uma nova
fase de buscas no mar, com o objetivo de lançá-las em fevereiro de 2010.
Bureau d’Enquêtes et d’Analyses
pour la sécurité de l’aviation civile
Zone Sud - Bâtiment 153 -
200 rue de Paris - Aéroport du Bourget - 93352 Le Bourget Cedex FRANCE
T. : +33 1 49 92 72 00 - F
: +33 1 49 92 72 03
www.bea.aero
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