Segundo o jornal ‘Correio da
Manhã’, de 22.09.1960, um avião do tipo “teco-teco”’,
conduzindo três pessoas, entre elas o juiz de direito Eines
Silva, sofreu uma pane caindo ao solo.
As notícias ainda adiantam que todos os três ocupantes do
aparelho salvaram-se milagrosamente, tendo ficado gravemente
feridos.
A notícia dá conta que o acidente ocorreu em Papagaios,
cidade pertencente ao estado de Minas Gerais.
29.08.1960
Particular
Cessna 140
Prefixo: PP-DOO
Quando o Cessna 140, matrícula PP-DOO, percorreu a pista e
deixou o solo do aeroporto de Corumbá (CMG) no dia 29 de
agosto de 1960, às 13h30, o piloto Milton Terra Verdi e o
cunhado, Antônio Augusto Gonçalves, planejavam fazer mais um
pouso antes de chegar ao destino final, a cidade de Santa
Cruz de La Sierra (VVI), na Bolívia.
Mas, após quase quatro horas de voo, desorientados e com
pouco combustível, a única opção encontrada foi pousar em
pequena clareira naquele ‘mar verde’ de árvores da densa
floresta amazônica, já em território boliviano.
Quando as rodas do pequeno monomotor tocaram o solo
emaranhado de raízes, ambos não imaginavam que ali eles
viveriam seus últimos dias. A aeronave só seria localizada
pela Força Aérea Brasileira (FAB) quatro meses depois, na
última semana de dezembro daquele mesmo ano.
Após a parada total da aeronave e o corte do motor, às
17h15, restavam apenas os sons da selva naquele dia que
começava a escurecer. Milton e Augusto sabiam que a situação
era extremamente crítica, pois o alimento era escasso – um
único sanduíche -, nenhuma reserva de água e apenas uma
garrafa pequena de refrigerante.
Naquela época, não existiam aerovias e a navegação era
visual, sem auxílios de rádios ou GPS. A rota estava traçada
em um mapa de papel, mas sem referências no solo e os fortes
ventos fizeram o avião desviar da trajetória planejada.
O mapa que antes servia de navegação, foi transformado em
uma espécie de diário, onde Milton começou anotar todos os
acontecimentos.
“Segunda-feira – Aterrissamos nesta vargem do dia
29/8/60, estamos com gasolina para somente 5 minutos de voo,
à uma hora que procurávamos um lugar para descer, pois
tínhamos conosco um galão de 20 litros de gasolina, passamos
maus momentos pois a gasolina estava no fim, e só víamos
mato fechado. Avistamos esta vagem, como se fosse um milagre
de Deus. Descemos bem e estamos tomados de um cansaço geral
logo escureceu, após termos feito um reconhecimento do
terreno, tínhamos duas coisas em mente, nossa família e a
possibilidade de decolarmos no dia seguinte”.
Esta foi a primeira de uma série de relatos transcritos. No
amanhecer do dia seguinte, sem qualquer tipo de ferramenta,
os dois homens tentaram buscar por um riacho, mas era quase
impossível desbravar a mata virgem sem um facão.
A tentativa exigia esforço, o que aumentava a sede. No
oitavo dia, tomado pelo desespero causado pela terrível
sede, Augusto tomou uma garrafa do combustível do avião.
“Terça-feira, 6/9/60 – Dormimos mais ou menos. Sonhei
muito com água esta noite. Estamos muito fracos e o dia de
hoje promete fazer muito calor. Já tentei tomar urina, mas
não foi possível. Tem um sabor de sal-amargo […] O Augusto
se desesperou e tomou uma garrafa de gasolina como se fosse
água. Passou muito mal a noite”, relatou Milton nas
anotações.
No dia seguinte, 7 de setembro, Augusto não resistiu e
morreu. Milton passaria quase dois meses sozinho e
completamente isolado. Até aquele momento, nenhum órgão da
aviação civil brasileira ou boliviana tinha notado o
desaparecimento do Cessna 140.
Sozinho, Milton travava uma luta contra a solidão, a fome e
a sede. Quando chovia, ele conseguia armazenar água e
tentava encontrar algum alimento, mas pouca coisa era
comestível.
Em uma das anotações, Milton diz que ouvia sons de motores,
mas as aeronaves estavam altas demais para ver aquele
pequeno monomotor na clareira.
Informações desencontradas
Estranhando a falta de comunicação e a demora do retorno dos
jovens, no final de setembro, Manoel de Oliveira Verdi, pai
de Milton, procurou a polícia para notificar o
desaparecimento dos rapazes.
Erroneamente, a família recebe a informações de um sargento
ligado ao Departamento de Aviação Civil (DAC) – hoje a
Agência de Aviação Civil (Anac) – de que o Cessna 140 havia
pousado em Santa Cruz de La Sierra.
A falsa notícia fez com que a calmaria retornasse ao coração
aflito dos familiares. Mas, dias depois, o serviço de
resgate aéreo da Força Aérea Brasileira (FAB) comunicou o
equívoco e confirmou que o paradeiro do avião era
desconhecido.
A família foi até Corumbá/MS e, após tomar conhecimento da
rota Cessna 140, o pai de Milton viajou até o Rio de
Janeiro, sede do Serviço de Resgate Aéreo (SAR) da FAB. O
órgão alegou que não poderia fazer nada, porque o território
onde havia ocorrido o desaparecimento era de
responsabilidade da Bolívia.
Aflito, o pai procurou a unidade do SAR do estado de São
Paulo, mas foi informado de que as equipes de resgate só
poderiam seguir para Bolívia com autorização do SAR do Rio
de Janeiro. O “empurra-empurra” entre São Paulo e Rio de
Janeiro se estendeu por mais de um mês.
Neste período, a história chegou até os veículos de
comunicação, mas os fatos eram sempre distorcidos. Um jornal
impresso carioca destacou que Milton e Augusto eram
contrabandistas. Outro chegou a noticiar que o Cessna havia
sido localizado pela FAB após 453 horas de buscas, mas, na
verdade, nenhum avião ou helicóptero de resgate ainda tinha
saído do chão.
Setembro já tinha ficado para trás, outubro estava chegando
à segunda quinzena, e os desencontros de informações
continuavam. Ao recorreram às autoridades bolivianas, uma
vez que não tinham ajuda das brasileiras, familiares de
Milton e Augusto tiveram outra decepção, quando o país
vizinho alegou que pouco poderia fazer, por conta de greves
que estavam acontecendo na Bolívia.
Enquanto isso, isolado e fraco, Milton esforçava para
rabiscar algumas linhas. Nas letras tremidas, ele descrevia
a saudade da esposa e dos filhos, anotava receitas de pratos
que desejava comer caso voltasse para casa, também se
lembrava de datas importantes como o aniversário do
casamento. Mas, já bastante debilitado, ele escreve as
últimas palavras no dia 6 de novembro.
“Hoje faz 70 dias que sofro aqui, minhas forças se
acabaram por completo, minhas carnes e minhas reservas de
energia se esgotaram e minha pele está ficando roxa, creio
que está chegando o fim, lutei e sofri muito para resistir,
mas tudo tem seu dia”.
O descaso com o desaparecimento do Cessna era tão grande,
que no final de novembro, a família de Milton e Augusto foi
informada que as equipes de resgate aéreo da FAB se
mobilizavam para procurar um avião americano desaparecido no
Peru, próximo à fronteira com o Brasil e, somente quando as
equipes retornassem desta missão, eles passariam pela rota
traçada por Milton.
Descrente, Manoel foi informando no dia 10 de dezembro, que
uma das equipes da FAB tinha localizado o Cessna 140, no dia
2 daquele mês, mas nada fizeram a não ser anotar as
coordenadas geográficas e retornar para o Rio de Janeiro.
O SAR ainda informou que o avião estava intacto e com sinais
de sobreviventes, porque existiam peças de roupas
sinalizando setas, procedimento comum adotado pela
tripulação de aeronaves acidentadas. Familiares comemoram, e
muito, a notícia.
Aflito e sem notícias, pai freta avião até Corumbá
No dia 12 de dezembro de 1960, Manoel de Oliveira Verdi
fretou um avião para levá-lo a Corumbá. Durante o trajeto o
pai comentava com um primo que pretendia fazer uma grande
festa quando trouxesse o filho para casa. Antes de decolar
de Rio Preto, ele também foi informado que a FAB enviaria
dois aviões e um helicóptero para ajudar o resgate. E, entre
as várias informações desencontradas naqueles dias, o pai
recebeu a notícia de que Milton e Augusto estavam presos na
cadeia de San José de Los Chiquititos, na Bolívia.
Chegando a Corumbá, o Departamento de Aviação Civil (DAC)
voltou a impor burocracias em cima de burocracias. E, após
atender a todos pedidos do órgão, veio um grande banho de
água fria: Manoel descobriu que a história do filho preso
era falsa. Soube também que os aviões de resgate que
auxiliariam nas buscas ainda estavam no Rio e as coordenadas
passadas pelo SAR davam em cima de um banhado, sem sinal do
avião.
O pai esperou por mais longos nove dias quando, finalmente,
os aviões da FAB chegaram. No dia 22 de dezembro, um
terceiro avião ligado ao SAR pousou em Santa Cruz de La
Sierra. Esta era a aeronave que tinha localizado o Cessna 20
dias antes.
Os três aviões da FAB decolaram e logo o erro de coordenadas
foi esclarecido. O Cessna 140 estava a 40 quilômetros do
local da posição passada. Manoel estava a bordo de um dos
aviões do SAR e ficou trêmulo quando viu o pequeno monomotor
no meio da clareira, mas não via nenhuma movimentação. O dia
chegava ao fim, e, na manhã seguinte, as equipes retornariam
com helicópteros, permitindo o pouso naquele espaço
confinado.
O sorriso voltou ao rosto de Manoel, que prometeu uma enorme
ceia natalina para todos os oficiais da FAB envolvidos no
resgate. A felicidade aumentou quando foi feito o contato
com familiares que aguardavam notícias em São José do Rio
Preto. A euforia voltava aos corações da família Verdi.
No dia 23 de dezembro, sem a terceira aeronave da FAB, o
helicóptero seguiu em uma direção enquanto outro avião do
salvamento decolou para o lado oposto. Nenhuma aeronave
localizou o avião desaparecido. Após duas horas de voo,
ambas retornaram. Desta vez somente o helicóptero decolaria,
Manoel ficou no aeroporto, aguardando o regresso.
Após seis horas, o helicóptero apontou no horizonte. Manoel,
apreensivo, viu que nenhum dos militares vinha falar com
ele. Um dos oficiais então se aproximou e disse que as
equipes não conseguiram pousar devido à instabilidade. O
pai, aflito, entendeu a situação e voltou para o hotel, mas,
na verdade as equipes tinham desembarcado e confirmado que
Augusto e Milton estavam mortos.
Walter Dias, primo de Manoel, foi informado sobre as mortes
e teve a difícil missão de contar para o triste desfecho. Ao
saber que o filho e o genro não tinham sobrevivido, Manoel
chorou inconsolavelmente. A FAB tomou conhecimento de que
precisava enviar um helicóptero maior para fazer a retirada
dos corpos do local.
Esses helicópteros maiores chegaram a Corumbá, mas fortes
chuvas impediram o resgate dos corpos e somente no dia 2 de
janeiro de 1961 as equipes conseguiram pousar na clareira.
Durante o resgate dos corpos, Walter encontrou as anotações
escrita por Milton.
No dia 4 de janeiro de 1961, às 16h, o Douglas C-47 da Força
Aérea Brasileira pousava em Rio Preto. Após 130 dias,
Augusto e Milton retornavam para a cidade natal deles.
Familiares, amigos e centenas de pessoas acompanharam o
enterro. Eles foram sepultados lado a lado.
Livro ‘O Diário da Morte’
Os relatos anotados por Milton foram transformados em livro
escrito por Walter Dias. “O Diário da Morte – A tragédia do
Cessna 140” foi publicado em 1961. Todas as anotações, fotos
e gravuras estão estampadas na obra.
Por décadas, pessoas tinham costume de ir até o cemitério
Ressurreição e colocar copos com água sobre os túmulos. Isso
aconteceu até meados de 1990.
Aeronave resgatada
Em 2010, o Museu Tam, com autorização da família, resgatou o
pequeno Cessna 140 e levou até São Carlos. A aeronave ficou
em exposição em um display, exatamente como foi encontrada.
Ao lado do pequeno avião foi montada uma fonte d’água com a
imagem de Milton.
Homenagem a Milton Verdi
Milton Verdi (foto acima) foi agraciado com o nome de um logradouro na
cidade paulista de Fernandópolis, a Avenida Milton Terra
Verdi. Relata-se ainda que o túmulo de Milton Verdi,
localizado no Cemitério da Ercília, na cidade natal do
piloto, São José do Rio Preto, tornou-se alvo de romarias e
peregrinações de pessoas que levam centenas de copos d'água,
simbolizando o reconhecimento por pedidos que, como
acreditam, foram atendidos.
Relato do acidente no livro "Amazônia, Paraíso e
Inferno!"
Fontes:
-
Wenilton Daltro, que levantou a informação sobre o
acidente e as imagens do livro "Amazônia,
Paraíso e Inferno!", de Renato Ignácio da Silva
24.08.1960
Paraense Transportes Aéreos
Curtiss C-46A-40-CU Commando
Prefixo: PP-BTJ
Logo após a decolagem do C-46 do Aeroporto de Porto Velho,
em Rondônia, com destino ao Aeroporto de Congonhas, em São,
Paulo, o Curtiss C-46 da Paranse caiu no rio Jaru, na cidade
de Jaru, também em Rondônia.
Três ocupantes do avião
morreram no acidente.