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O voo 435 da REAL
Transportes Aéreos decolou às 17h22min do dia 24 de junho de 1960 do
Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, com destino ao Aeroporto
Santos Dummont, no Rio de Janeiro, e transportava 5 tripulantes e 49
passageiros, sendo que, desse total, 17 passageiros eram provenientes de
Brasília e embarcaram na conexão em Belo Horizonte.
A aeronave era pilotada pelo
comandante gaúcho João Afonso Fabrício Belloc, oficial da reserva, que
comandou na Itália, durante a II Guerra Mundial, a 1ª ELO (Esquadrilha
de Ligação e Observação) que estava a serviço da FEB. Experiente, Belloc
possuía 18.000 horas de voo na aviação civil e estava na REAL desde
1947.
Os outros tripulantes do PP-YRB
eram o copiloto Orlando Gonzales Fernandes, 29 anos (desde 1953 na
companhia), o radio operador João Batista Valadão, 45 anos (desde 1951
na Real) e os comissários de bordo Antonio Jorge Santos Pombal, 25 anos
(na Real desde 1955) e Lúcia Maria Vieira Lima Jaguaribe, 22 anos
(recentemente admitida). A tripulação da aeronave estava voando desde as
5 horas da manhã, fazendo escalas por cidades do Brasil.
O voo da REAL transcorreria sem
problemas. Às 17h49min foi feito o contato com a posição Barbacena (MG)
e às 18h15min com o Pico do Couto, em Petrópolis (RJ), às 18h25min sobre
o rádio farol Q (Ilha dos Ferros) a 600m, e recebeu autorização do
Controle de Aproximação para fazer o procedimento de descida e aproar ao
rumo 036º.
Na ocasião, chuva leve contínua,
3/8 de Stratus a 150m, 6/8 de Stratocumulus a 600m e 8/8 de Altostratus
a 2.200m, temperatura 19º, ponto de orvalho 18º. São os dados técnicos
do voo, devidamente registrados.
Por volta das 18h43min, o
comandante Belloc informou no bloqueio do NDB da Ilha dos Ferros o
início dos procedimentos de pouso no Aeroporto Santos Dumont. Além
disso, o Comandante havia reclamado de problemas na transmissão e
recepção de mensagens. Chovia forte na cidade do Rio de Janeiro. Essa
seria a última comunicação da aeronave com o Controle de Aproximação do
Rio de Janeiro (APP-RJ).
Após o desaparecimento do Convair
340 das telas do radar, seriam iniciadas as buscas pelo Serviço de Busca
e Salvamento da Força Aérea Brasileira e por diversos barcos públicos e
particulares.
Parte dos destroços do Convair
seria localizada por uma lancha do estado da Guanabara à 1h15min da
madrugada do dia 25. Um pouco mais tarde, o helicóptero do Serviço de
Salvamento da Força Aérea Brasileira levantava voo para buscar possíveis
sobreviventes.
Já alta hora da madrugada foram
encontrados vários corpos mutilados nas proximidades da Ilha Redonda.
Somente um corpo foi encontrado vestido e inteiro.
Por volta das 2 da madrugada os
barcos do Serviço de Busca e Salvamento retornavam com informações da
não possibilidade de haver sobreviventes.
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Imagem: Diário da
Noite |
No raiar do dia 25 de junho, após
horas de buscas incessantes, dez dos 53 mortos foram encontrados por
oficiais da Marinha.
Poucos corpos puderam ser
identificados devido a violência da queda, o que sugeriu a hipótese de
explosão da aeronave. Porém, exames nos destroços não revelaram traços
de incêndio e ou explosão a bordo.
Depois das notícias sobre a queda,
apareceram algumas testemunhas dentre as quais o Cabo Ramos, responsável
pela manutenção do NDB da Ilha dos Ferros. Segundo relato do militar, o
mesmo ouviu um barulho de aeronave em voo rasante (identificando o ruído
característico do Convair) sobre a ilha e correu até a janela de seu
alojamento.
Antes que pudesse alcançar a mesma,
ouviu um baque surdo de um objeto caindo nas águas da Baía de Guanabara.
Esperou ouvir algum grito de socorro, ver algum clarão, barulho de
explosão, etc. Como não ouviu nada, voltou ao interior do alojamento.
Somente com o som das lanchas de resgate durante a madrugada, o cabo
tomaria conhecimento da tragédia.
No livro "O Rastro da Bruxa –
história da aviação brasileira através de seus acidentes: 1928-1996",
escrito pelo comandante Carlos Ari César Germano da Silva, pela EdiPUCRS,
consta uma versão para a causa do acidente considerada como a mais
próxima da realidade, que foi até posta no inquérito, embora não
conclusiva, a de que, “talvez um grave defeito no sistema de controle do
passo da hélice direita tenha levado as pás a ultrapassarem o ângulo
limite de passo mínimo em voo, fazendo com que a hélice girasse em alta
velocidade, com rotação muito superior à permitida pelo projeto, gerando
força centrífuga de magnitude tal que arrancou as pás do próprio eixo.
Estas, atingindo com violência a fuselagem, destruíram a resistência
estrutural do avião, causando-lhe a desintegração em pleno voo”.
Lista de passageiros
Segundo informações obtidas junto à
Coluna de Renato Casimiro, em seu comovente e ao mesmo tempo
precioso
relato sobre a morte do empresário Felipe Neri da Silva, que ocorreu
no voo 435 da REAL, a lista de passageiros demorou a ser divulgada. Ela
só aparece na Nota Oficial da Companhia, estampada nos jornais do país,
do dia 28 de junho, portanto, quatro dias depois. Até o então presidente
da república, Juscelino Kubitschek de Oliveira, teve de apelar para o
comandante da aeronave da presidência da república, João Milton Prates –
seu conterrâneo de Diamantina (MG) e para Armando Ribeiro Falcão, ao
tempo em que era Secretário de Justiça do Estado da Guanabara, para que
intercedessem de modo que ele conhecesse a lista.
Nota Oficial da Real Aerovias
"Em aditamento ao nosso comunicado
de ontem, lamentamos informar que a nossa aeronave PP-YRB, efetuando voo
435 foi localizada acidentada próximo à ilha dos Ferros, na baia da
Guanabara, quando se preparava para pousar no aeroporto Santos Dumont,
não havendo sobreviventes entre os passageiros e tripulantes. A última
comunicação transmitida pelo avião minutos antes do acidente, nada
revelava de anormal a bordo. As causas do acidente estão sendo apuradas
pelas autoridades competentes do Ministério da Aeronáutica e pela
companhia.
A tripulação da aeronave era a
seguinte: comandante João Afonso Fabrício Belloc; piloto Orlando
Gonzalez Fernandez; comissário Antonio Jorge Santos Pombal; comissária
Lúcia Maria Vieira Lima Jaguaribe.
Viajavam a bordo da aeronave os
seguintes passageiros: Ruben F. Novo, Bento Queiros Barros Junior, Luis
Frota Sales, João Calíchio, Edgar Borges Lima, Adauto C. Aquino, Nei
Gonçalves, Vitorino Ildefonso, Antonio Occo, Geraldo Pereira
Vasconcelos, Hugo Mud, Maria L. M. Bahury, José M. Sousa, Enio B. Lemos,
Antonio F. Cabral, Hermann M. da Silva, Eleatéria A. Sousa, Maria José
A. Santos, Felipe Neri Silva, ten. Alex Gustasson, ten. Renato dos
Santos Van Bockel, Geraldo de C. Rego, Artur A. Moura, Álvaro Brasil,
Dr. Atos Alkimim, Fernando Lago, Sócrates M. Diniz, Dr. Nelson Freddy
Saba, Max A. S. Sousa, Janete Slater, Igor Pokator, Luis Maurício S.
Vanderlei, Lauro Candido S. Leite, Georg Pfeisteres, Edmundo Montalvão,
Manuel Henrique Figueira, Argemiro Coutinho, Sergio Veres Henrique,
Newton B. Tompson, Valter Moura, Carlos Nering Filho, Vasco de Sousa,
Silvia Correia do Lago, Edna Christina (colo), Carmelinda A. Rosa,
Antonio F. E. da Silva, Alberto C. Carvalho, mister H. W. Lee e Alceu
Carvalho."
Dramas pessoais
Ainda junto ao excelente relato de
Renato Casimiro, encontramos alguns alguns do dramas relacionados a
envolvidos no acidente e revelados pelas páginas dos jornais nos dias
posteriores:
1. Felipe Neri da Silva não
viajaria no voo sinistrado. Ele cedeu seu lugar ao deputado federal José
Gomes Talarico, da bancada do PTB, do Estado da Guanabara. Paulistano
nascido em 11.11.1915, jornalista e funcionário público, ele é uma
pessoa dentre os que foram salvos da tragédia. Ele diria à imprensa, no
dia seguinte ao acidente, que sua esposa, por telefone, comentou consigo
que havia sonhado no dia anterior que ele se acidentaria em desastre
aéreo. Insistia para que ele não viajasse naquele dia. Mas ele não
alterou o plano e fez naquela aeronave o primeiro trecho, entre Brasília
e Belo Horizonte, pois era o número 13, dentre os passageiros. Como na
escala, por algum motivo, o avião ficou retido mais tempo, Talarico
ficou procurou permutar o seu voo por outro para o Rio de Janeiro. Ao
que sabemos hoje, encontrou a compreensão do passageiro Felipe Neri da
Silva que lhe cedeu a reserva do seu voo e viajou no sinistrado RL 435.
Talarico só veio a falecer, recentemente, no Rio de Janeiro, em
06.12.2010, aos 95 anos. Ele sofria de Alzheimer.
2. O deputado federal Miguel
Antonio Bahury, do PSD/MA perdeu sua esposa no acidente, pois dentre os
falecidos estava a sra. Maria de Lurdes Menezes Bahury. Ele confessou
para amigos e imprensa que teve um mau pressentimento quando ela lhe
comunicou que estava antecipando a viagem, mudando de voo, para chegar
mais rápido em casa para se encontrar com os filhos e a família. Ele
manifestou o desejo de que ela não fizesse isto, mas não a convenceu.
Estranhamente, o deputado faleceria quase três anos depois, em
03.05.1963, num outro desastre aéreo, com o mesmo tipo de aeronave (Convair)
que caiu na cidade de São Paulo, depois de decolagem de Congonhas. E
mais intrigante: Miguel Bahury presidia na Câmara dos Deputados, uma CPI
para apurar as causas de desastres aéreos que ultimamente aconteciam com
grande freqüência.
3. O ex-deputado federal Airton
Mendonça Teles, do PSD/SE, e funcionário público no Ministério da
Justiça em Brasília, uma das vítimas, foi outro que teve de trocar a
data do seu retorno ao Rio de Janeiro na quinta feira anterior porque
não havia mais disponibilidade de lugar no voo de sua escolha.
4. Edgar Borges Lima, 50 anos,
funcionário do gabinete do Ministro do Trabalho, estava de mudança para
a nova capital federal. Tinha ido a Brasília para receber o apartamento
para o qual se mudaria. Sua esposa em forte crise emocional não mais
aceitou ir morar lá com os seus sete filhos menores.
5. Parte da família Correia do
Lago, o casal Fernando e Sílvia (ele – Carlos Mayrink Fernando Correia
do Lago), e a criança de dois anos e meio Ana Christina (não Edna, como
diz a nota da Real) estavam entre as vítimas. Outro filho do casal,
Marcelo, de 1 ano e meio, viajou na companhia da avó por trem e somente
no Rio de Janeiro souberam dos acontecimentos.
6. A presença da aeromoça Lúcia
Maria Vieira Lima Jaguaribe na tripulação do sinistrado também foi uma
coisa de última hora. Ela era uma das mais jovens no quadro de
empregados da companhia e naquele dia estava substituindo uma colega de
nome Maria do Carmo.
7. Uma das vítimas do acidente da
Ilha dos Ferros foi o arquiteto Nei Fontes Gonçalves. Apesar de jovem
(26 anos), era visto como profissional de grande futuro. Foi um dos
membros da equipe de um dos projetos que concorreram ao Concurso para o
Plano Piloto da Nova Capital Federal, em 1957 e que logrou o segundo
lugar, logo abaixo do escolhido, o do arquiteto Lúcio Costa.
As
consequências do acidente |
Apesar dos esforços dos
investigadores, a causa do acidente nunca foi descoberta. Apenas uma
parte dos destroços da aeronave foi recuperada; além disso, a aeronave
não contava com gravadores de voo e ou caixas pretas, itens existentes
apenas nos aviões à jato da época.
Foram aventadas as seguintes
hipóteses para explicar o acidente:
●
Explosão à bordo (descartada após
exame dos destroços);
●
Abertura acidental da porta
traseira direita durante o voo, que arrancada pelo vento, atingiu o
motor direito (descartada após a porta ser encontrada com suas travas
intactas);
●
Danos causados por agente
desconhecido (colisão com pássaro, defeito do motor,etc) no motor
direito encontrado sem a parte dianteira e sua hélice (descartada pela
impossibilidade de determinar se a falta de parte do motor e da hélice
foi resultante do impacto sobre as águas da Baía de Guanabara ou por
problemas no respectivo motor);
O avião caiu sobre a Ilha dos
Ferros, espalhando destroços por toda a ilha e no mar, sendo que as
buscas pelos destroços ocorreram até o dia 6 de julho. Alguns destroços
foram encontrados na região da Ilha de Paquetá.
O acidente contribuiria para o
declínio da REAL Transportes Aéreos que acabaria sendo adquirida pela
Varig no ano seguinte.
O acidente também motivou a criação
de uma Comissão Parlamentar de Inquérito por parte da Câmara dos
Deputados, cujo intuito era investigar as causas do grande número de
acidentes aéreos ocorridos no país naquela época.
A CPI seria presidida pelo deputado
Miguel Bahury, cuja esposa Maria havia falecido na queda do voo 435 da
REAL. Por ironia do destino, o deputado Bahury acabaria falecendo cerca
de três anos depois na queda de um Convair 340 da Cruzeiro do Sul nas
proximidades do Aeroporto de Congonhas..
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Ficha técnica
Data: 24/06/1960
Hora: 19:15
Aeronave:
Convair CV-340-62
Operadora:
REAL Transportes Aéreos
Prefixo:
PP-YRB
Número de Série:
191
Primeiro voo:
1954
Voo: 435
Tripulantes: 5
Passageiros: 49
Partida:
Aeroporto da Pampulha (PLU/SBBH), Belo Horizonte, MG
Destino:
Aeroporto Int. do Rio de Janeiro - Galeão (GIG/SBGL), Rio de
Janeiro, RJ
Local do acidente:
próximo a Ilha dos Ferros, Baia da Guanabara, RJ
Fatalidades: 49
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A aeronave
Convair CV-340-62
O Convair 340 foi
fabricado em 1951, como uma encomenda da United Airlines que
desejava uma fileira adicional de 4 assentos. O Convair 340 foi
planejado para fazer frente aos antigos Douglas DC-3.
A aeronave acidentada foi
fabricada em 1954, tendo recebido o número de série 1913. Em
1958 seria adquirido pelas Redes Estaduais Aéreas Ltda. (REAL),
recebendo o prefixo PP-YRB, sendo avaliado à época em US$ 500
mil. Há outros relatos informando que a aeronave acidentada
teria sido entregue para a REAL poucos meses após sua
fabricação, em 1954.
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O
Convair 340 PP-YRF - Foto via
edcoatescollection.com
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Reprodução dos jornais da
época
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Reprodução dos jornais: Folha de S.Paulo, Diário da
Noite e Correio da Manhã |
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Texto e edição de imagens
por Jorge Tadeu da Silva |
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Fontes de pesquisa:
ASN / Wikipédia /
Coluna de Renato Casimiro
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