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No dia 1º de julho de 1963, 11
pessoas morreram na queda de um avião em São João da Bela Vista. Na
época, ainda existiam poucos veículos e o transporte de trem era
bastante utilizado. Viajar de avião ainda se tratava de rara
oportunidade, logo a tragédia abalou a cidade, principalmente, porque os
corpos ficaram mutilados, inclusive o do bispo de Uruguaiana, Dom Luis
Felipe de Nadal, que visitava Passo Fundo a dos Irmãos Maristas locais.
O Bispo Dom Luis Felipe de Nadal
Eram 17h25, de uma segunda-feira,
1º de julho de 1963, quando o voo 280 da aeronave Douglas C-47B-20-DK
(DC-3), prefixo PP-VBV, da VARIG, que saiu de Porto Alegre com destino a Erechim, fez escala em
Carazinho.
Assim que decolou no município
de Carazinho em direção a Passo Fundo, o telegrafista de bordo, Ari Santos,
pediu informações sobre as condições meteorológicas. Ele foi informado
que um forte nevoeiro se aproximava.
Poucos mais de 30 minutos se
passaram até que os passo-fundenses que saíam do trabalho se
surpreendessem com um avião voando alguns metros acima de suas cabeças. Todos
correram e um pânico estabeleceu-se na cidade.
O DC-3, PP-VBV, no Aeroporto
Salgado Filho, em 1960
O avião foi perdendo altitude e
executando voos rasos, aumentando ainda mais o pavor.
O piloto, não avistando a pista ao
concluir o procedimento de descida, decidiu subitamente circular o
aeródromo na esperança de encontrar melhor visibilidade na cabeceira
oposta, talvez traído por alguma fugaz abertura no nevoeiro.
Com a atenção dividida entre a
pilotagem do avião e a busca por referências externas, o comandante
Magnus Beckheuser não percebeu que o DC-3 afundava perigosamente na
cerração.
Desespero, foi o que sentiram os
funcionários da olaria São João, localizada no então distrito de São
João da Bela Vista, pois a aeronave passou a poucos metros
do estabelecimento.
Logo em seguida, uma das rodas do
PP-VBV colidiu com o tronco de uma sapopema, uma árvore de
aproximadamente 30 metros de altura.
O avião, então, projetou-se de
nariz contra o solo, desintegrando-se. O estrondo
foi ensurdecedor e o DC-3 abriu uma clareira no meio do mato.
Os funcionários da olaria Nicanor
Vihnsti, Miguel Rodrigues e Nicanor Lima de Carvalho, foram os que
primeiro chegaram ao local e viram o avião em destroços e os corpos
mutilados.
Assustados, assistiram à cena mais
estarrecedora de suas vidas. O avião em destroços, corpos parcialmente
mutilados que jaziam ao solo e alguns sobreviventes se arrastando para
longe ao avião que jorrava combustível.
Imediatamente, as primeiras
testemunhas do insólito acidente procuraram ajudar os poucos
sobreviventes da tragédia. Eles eram cinco. Duas mulheres e três homens.
Uma delas, depois reconhecida como Virginia Lima pôs-se a rezar,
ajoelhada próximo ao avião.
Em poucos minutos sua voz foi
enfraquecendo e ela ainda teve tempo de olhar para o céu cinzento, quase
escuro, e tombar sem vida.
Outro sobrevivente, José Aramis
Rodrigues, também rezava e assim o fez até chegar ao Hospital São
Vicente de Paulo.
Em menos de 20 minutos começaram a
chegar os socorros. O sargento Vitalino, da Brigada Militar,
inicialmente comandou as operações ao lado de outros policiais
militares, policiais civis, bombeiros, policiais rodoviários, militares
do exército e até escoteiros, todos chamados ao local para apagarem o
fogo, socorrerem os sobreviventes, resgatarem os corpos e também para
evitarem saques ao avião. Vários médicos entre eles Sabino Frias, foram
prestar socorro no local.
O fato sinistro e sanguinário
consternou fascínio à população. Milhares de pessoas acorreram ao local.
Mais de 800 veículos ficaram estacionados ao longo da rodovia. Pessoas
perdidas na escuridão, algumas caminharam mais de cinco quilômetros, com
frio intenso, para chegarem ao local. Era um acontecimento único.
A tripulação era composta por
quatro pessoas, todas mortas no momento do acidente. O comandante se
chamava Magnus Bacheuser, que momentos antes da queda foi arremessado
para fora da aeronave. Com profundo corte no crânio, foi encontrado a
uns 20 metros do local. Os demais eram: o copiloto José Luis de Moraes
Azevedo, o radiotelegrafista Ari dos Santos e o comissário de bordo,
Milton Galvão Balaro.
Entre os nove passageiros do avião
sete morreram no local ou no hospital. Os dois que sobreviveram foram:
José Aramis Rodrigues e Celanira Nunes, irmã da outra passageira
Virginia Lima.
Os mortos eram: Paulo da Silveira
Fernandes, engenheiro agrônomo, funcionário da Secretaria Estadual de
Agricultura e professor da Faculdade de Agronomia de Passo Fundo. Morava
em Porto Alegre, mas havia residido nesta cidade e era casado com Déa
Rache Fernandes, de tradicional família passo-fundense; dom Luiz Felipe
de Nadal, bispo da Diocese de Uruguaiana, vinha a Passo Fundo para
participar de um encontro religioso da Congregação Marista; Marialvo
Bonassina, era funcionário da CEEE e poucos dias antes regressara de
Paris, onde havia feito curso de aperfeiçoamento. Vinha a Passo Fundo
ministrar curso de eletrotécnica para os funcionários da empresa. Delmar
Luiz Rigoni era aluno da Faculdade de Direito de Passo Fundo, na época
com freqüência livre. Vinha prestar provas, pois se formaria no final
daquele ano. Nelson João Panizzotto, de Porto Alegre, era viajante
comercial do Laboratório E. R. Squibb. Virginia Lima, também de Porto
Alegre, viera com a irmã Celanira visitar outra irmã que estava enferma
e Amílcar Morganti, residia em Erechim e regressava de Porto Alegre, a
sua cidade..
A empresa de transporte coletivo
urbano também colocou uma linha exclusiva do centro até São João da Bela
Vista durante toda a semana seguinte para sanar a curiosidade das
pessoas.
O gerente da Varig em Passo Fundo
na época, Ernandi Sander, conta que pessoas de todo o estado passaram
pela cidade para conferir o que sobrou do desastre.
Nota da Varig sobre o acidente -
Correio da Manhã, 4 de julho de 1963
"Eu estava no aeroporto quando tudo
aconteceu. Com o tempo ruim, o piloto, ao invés de levantar voo quando
viu a neblina, continuou baixando e bateu contra uma árvore. Se ele
tivesse escapado da sapopema, iria aterrissar em uma lavoura de soja",
conta.
Poucos minutos se passaram desde o
contato até que o telegrafista avisasse que a localização do avião havia
sido perdida. Assim que soube onde era o local do acidente, Sander
embarcou na sua Kombi e se dirigiu até a RS 324.
"Fiquei assustado quando vi o
enorme engarrafamento. Fomos desviando dos curiosos e quando cheguei,
ajudei a retirar os corpos", explica.
Os dois sobreviventes
Os sobreviventes foram Celanira
Nunes e José Iramir Rodrigues, que estavam na mesma fileira de
poltronas. A Sra. Celanira faleceu menos de um ano após o acidente em
virtude de seqüelas da queda.
O Sr. José Iramir teve o nariz
empurrado para dentro do crânio, a orelha e a bochecha direita
reimplantados, o tórax esmagado - o que o deixou com com o dito "peito
de pombo" - criando uma ponta no peito e outra nas costas, e o pior de
tudo: por ter ficado preso em sua poltrona pela perna, ele teve que ser
transportado sentado nela, em cima da carroceria de uma caminhão até o
Hospital São Vicente de Paulo, onde, por pouco, não a perdeu por
gangrena. Ele, que havia acabado de completar 40 anos no dia anterior ao
do acidente, veio a falecer em 15 de junho de 2003, exatamente 15 dias
antes de completar 80 anos.
A poltrona em que estava sentado no DC 3
permanece no mesmo estado, desde 1º de julho de 1963, guardada no sítio
onde hoje mora um de seus filhos, chamado José Iramir Rodrigues Filho.
A aeronave
A aeronave destruída no
acidente foi fabricada pela Douglas em 1944 para a Força Aérea do
Exército dos Estados Unidos e recebeu o número de construção
26889/15444. Após a Segunda Guerra Mundial, foi repassada pelo governo
dos EUA para a Royal Air Force (Reino Unido), onde operou até junho de
1947, quando foi vendida para a companhia aérea de Malta, a Kearsley
Airways. Após três anos, foi revendida para a VARIG, onde foi registrada
com o prefixo PP-VBV, sendo empregada em rotas regionais no interior do
Brasil.
Causas
Durante anos seguiram as
investigações para apurar as causas do acidente do voo 280 do Douglas DC-3
da Varig. A análise foi feita pela Comissão Permanente de Estudos
Técnicos da Aviação Civil.
Tempo depois, a averiguação chegou
à conclusão de que poderia ter sido falha humana, em razão do tempo
totalmente desfavorável, com forte neblina.
Na época, a decisão da comissão foi
de que o comandante da viagem poderia ter se comunicado novamente com o
aeroporto de Passo Fundo e avisado que seguiria adiante, buscando outra
cidade com condições favoráveis para pouso.
O Nacional, 2 de julho de
1963
Folha de S.Paulo, 3 de julho de
1963
Jornal do Dia, 7 de setembro de
1963
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Fontes:
Projeto Passo Fundo:
projetopassofundo.com.br
Livro: "150 Momentos mais importantes da história de Passo
Fundo", de Osvandré Lech
Livro "O rastro da bruxa", de Carlos A. C. Germano da Silva
Raquel Vieira / Jornal O Nacional
/
aviation-safety.net
/
Wikipedia
Cristiano Volkmer (neto do sobrevivente Sr.
José Iramir Rodrigues)
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Texto e edição de imagens
por Jorge Tadeu da Silva |
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