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O DC-7, prefixo PP-PDO, da
Panair do Brasil, operando o chamado “Voo da Amizade”, em convênio com a
TAP - Transportes Aéreos Portugueses, decolou de Lisboa, em Portugal,
por volta das 16 horas do dia 31 de outubro, com destino a sua
primeira escala, na Ilha do Sal, no Arquipélago de Cabo Verde, onde
chegou seis horas depois.
Realizado o reabastecimento da
aeronave, o comandante Peri Moacir Huber, experiente piloto com 16 mil
horas de voo, na função de instrutor, supervisionou o primeiro-oficial
Hugo Tenan, veterano com mais de 20 mil horas de voo, adaptando-se ao DC-7,
decolar novamente, agora com destino a cidade do Recife, em Pernambuco,
para, na sequência, seguir para seu destino final, no Rio de Janeiro.
Para cumprir mais um trecho de seis
horas de voo, levando a bordo 79 passageiros, os comandantes contavam
com os pilotos Valdemar de Amorim Rocha e José Carlos Bonino de Freitas,
o rádio-navegador Hélio Chevran, o rádio-operador Almiro da Cunha Leite
e os comissários Elison Coutinho Souto, Gregório Porto da Fonseca Neto e
a portuguesa Maria Margarida Neves de Carvalhosa.
O voo transcorreu dentro da
normalidade, em clima de alegria, promovida pela presença de marinheiros
portugueses a bordo, que junto com um oficial, vinham ao Brasil buscar o
navio-escola 'Guanabara', recentemente comprado por Portugal à Marinha
de Guerra do Brasil.
Quando adentrou no espaço aéreo
brasileiro, já era a madrugada do dia 1º de novembro.
Na aproximação para o pouso em
Recife, por volta das duas horas, a tripulação contatou a torre de
controle, informando que realizaria um pouso visual na pista 15, a mais
curta do aeroporto, já que a 18, mais longa, estava fechada para obras.
Vindo do oceano, o PP-PDO sobrevoou
a cidade bastante iluminada e seguiu direto para a pista 15, informando
a torre que o trem de pouso estava baixado e travado.
Às duas horas e onze minutos, o operador
da torre de controle local transmitiu para a aeronave as condições
meteorológicas, autorizou o pouso e ficou observando o avião se
aproximando gradativamente da pista.
Às duas horas, onze minutos e
trinta segundos, o piloto deu o ciente de "tudo em condições normais
para aterrissagem".
Trinta segundos depois, onde antes
brilhavam os faróis de aterrissagem, surgiu um grande incêndio. Não
acreditando no que via, o controlador ainda chamava freneticamente a
aeronave, sem obter resposta.
Desesperado, o controlador Gil
Nunes, com mais de 16 anos de experiência na função, acionou todos os
alarmes da torre e ficou momentaneamente atônito sob o impacto da
tragédia que se apresentava.
A aeronave havia se chocado contra
uma elevação de 63 metros a cerca de três quilômetros da cabeceira norte da pista do
aeroporto, no bairro de Teijipió, no subúrbio de Recife. O trem de pouso e parte da fuselagem
se romperam. Em seguida, se seguiram várias explosões e imediata
combustão, que destruiu totalmente o aparelho o partindo em dois.
Peças do avião, ferros retorcidos,
destroços de bagagens e corpos carbonizados e dilacerados - alguns deles
presos aos assentos - foram lançados a até um quilômetro do local do
acidente.
Os primeiros socorros foram
prestados por moradores do local, que por ser de difícil acesso,
retardou a chegada das equipes de salvamento e resgate. Mais tarde,
diversas ambulâncias, carros dos bombeiros e da Aeronáutica chegaram ao
local.
O saldo do acidente foi trágico: 45
mortos e dezenas de feridos. Morreram sete tripulantes e 38
passageiros. Os únicos dois tripulantes que sobreviveram ao acidente foram o
comissário de bordo Elison Souto e a aeromoça Maria Margarida
Carvalhosa.
"Tudo ocorreu em fração de
segundos. Todos estavam alegres. O comandante do avião já havia mandado
os passageiros apertarem os cintos de segurança, porque estávamos em
manobra de aterrissagem, a poucos minutos ou segundos do aeroporto de
Guararapes. Senti, então, um terrível choque, seguido de fogo. Tratei de
desatar o cinto e por-me à salvo", declarou Antônio Costa, presidente da
Juventude Operária Católica em Portugal, passageiro do avião sinistrado,
que vinha ao Brasil para o Conselho Mundial da entidade.
O oficial da Marinha portuguesa,
Comandante Henrique Afonso da Silva Horta, que viajava em companhia dos
dois sargentos e dez marinheiros que fizeram a alegria dos passageiros
durante o voo, e a aeromoça, a jovem portuguesa Maria
Carvalhosa, ajudaram parte dos passageiros a deixar o avião, através de
uma abertura, vários deles muito queimados. Essa operação durou de cinco
a oito minutos e, antes que os demais passageiros pudessem abandonar os
escombros, houve uma nova explosão. Ninguém mais pode escapar.
por Jorge Tadeu da Silva
Investigações e
consequências |
Duas comissões, uma da
Aeronáutica e outra da Panair, foram constituídas para apurar as causas
do desastre com o PP-PDO.
De imediato a impressão era que o
acidente passaria para a história da aviação como "inexplicável e
misterioso". Contribuía para essa impressão, o fato de a aeronave ter
colidido com a crista de um morro que estava a 63 metros do nível do
mar, quando a altitude mínima em que o avião deveria estar nesse momento
era aos 200 metros de altura, dentro dos regulamentos da Aeronáutica. A
queda da aeronave dessa altura mínima até a altura do morro - uma queda
de cerca de 120 metros - causada por correntes descendentes "seria
inacreditável", disseram especialistas em meteorologia da época, que
tinham dúvidas sobre a ocorrência de correntes ascendentes e
descendentes a tão pouca altura. Por outro lado, atribuir o acidente a
pane do altímetro, também seria impossível, visto possuírem os
quadrimotores três altímetros e, um falhando, restariam os dois outros.
Depois,
durante as investigações foi constatado que a única luz vermelha que
sinalizava o obstáculo na cabeceira da pista 15 estava inoperante. A
comissão investigadora atribuiu a causa do acidente a um erro do piloto,
cujo fator determinante foi a falta de indicações de obstruções na
cabeceira da pista durante aproximações noturnas e ou em condições de
baixa visibilidade.
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Fonte da imagem:
livro "O rastro da bruxa", de Carlos Ari César Germano da SIlva |
Atualmente, os aeroportos contam
com o Indicador de Ângulo de Aproximação Visual (do inglês VASIS Visual
Approach Slope Indicator System), sistema que diminuiu os acidentes
desse tipo.
Esse acidente foi o primeiro da
Panair em sua rota 'Brasil - Portugal', em mais de dez mil viagens
realizadas em 16 anos, até então. Nos últimos seis anos, não havia
ocorrido acidentes com mortes em linhas da empresa, que lançara o DC-7
PP-PDO em 1957. O avião, tecnicamente novo, era da série do último
lançamento de aparelhos à hélice no Brasil.
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O Voo da Amizade
O Voo da Amizade foi um serviço
aéreo especial entre o Brasil e Portugal, operado entre 1960 e 1967, sob
a forma de um acordo operacional entre as companhias aéreas portuguesa
Transportes Aéreos Portugueses e as brasileiras Panair do Brasil
(1960-1965) e Varig (1965-1967).
De modo a promover os
já intensos laços culturais e econômicos entre o Brasil e
Portugal, a Panair do Brasil e a TAP - Transportes Aéreos
Portugueses criaram um serviço conjunto com características
específicas:
•
Os bilhetes aéreos eram
bem mais baratos do que os normais, mas poderiam ser
comprados somente por cidadãos brasileiros, portugueses ou
estrangeiros com residência permanente em um destes dois
países. Cada passageiro tinha direito a uma franquia de 20
kg de bagagem;
•
Os voos foram
inicialmente operados uma vez por semana por um Douglas DC-7C
da Panair especialmente pintado com os nomes da Panair e da
TAP na fuselagem, configurado somente em classe econômica,
com tripulação de ambas as empresas e número de voo TAP. No
entanto, em agosto de 1961 as frequências já haviam sido
aumentadas para duas semanais, sendo uma para cada companhia
aérea e em agosto de 1962 passaram a três semanais, duas
para a Panair e uma para a TAP. Entretanto, em maio de 1964,
as frequências voltaram para o padrão de 1961;
•
O voo seguia a rota Rio
de Janeiro-Galeão / Recife / Sal / Lisboa. Alguns voos
também operavam em São Paulo-Congonhas. Como nesta época
Cabo Verde, onde fica localizada a Ilha do Sal, era uma
Província ultramarina portuguesa, o voo era inteiramente
realizado em territórios brasileiro e português;
•
As refeições eram
servidas nos restaurantes dos aeroportos, durante as escalas
para reabastecimento.
O primeiro voo decolou
do Brasil a 30 de novembro de 1960 e a operação continuou
como originalmente planejada até o encerramento das
operações da Panair em 10 de fevereiro de 1965.
Após uma interrupção,
no dia 22 de novembro de 1965, a Varig sucedeu à Panair como
a parte brasileira da operação, usando um de seus Lockheed
L-188 Electra II. Por outro lado, nesta segunda fase das
operações, a TAP decidiu usar equipamento próprio, um
Lockheed L-1049G Super Constellation, para realizar a sua
parte do serviço. Assim, cada companhia aérea operava uma
frequência semanal com seu próprio equipamento. Em 1967 a
operação foi extinta.
Note-se que Panair, TAP
e Varig concomitantemente operaram voos diretos entre o
Brasil e Portugal sem as restrições impostas pelo Voo da
Amizade. Para estes, de 1960 a 1965 a Panair usou seus
Douglas DC-8-33, e após 1965 a TAP usou seus Boeing 707 e a
Varig seus Boeing 707 ou Douglas DC-8-33.
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O
DC-7 PP-PDO e o "Voo da Amizade"- Foto Voa
Portugal via
www.voovirtual.com
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Ficha técnica
Data: 01/11/1961
Hora: 2h12min
Aeronave:
Douglas DC-7C
Operadora:
Panair do Brasil
Prefixo:
PP-PDO
Número de Série:
44872/643
Primeiro voo:
1955
Tripulantes: 9
Passageiros: 79
Partida:
Aeroporto da Portela (LIS/LPPT), Lisboa, Portugal
Destino:
Aeroporto Int. do Galeão (GIG/SBGL),
Rio de Janeiro, Brasil
Local do acidente:
2,7 km a noroeste do
Aeroporto Internacional de Recife (PE)
Fatalidades: 45 |
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A aeronave
Douglas DC-7C
O Douglas DC-7 foi o
último quadrimotor à pistão fabricado pela Douglas. Lançado em
1953, teve sua produção encerrada prematuramente em 1958 com o
advento da era a jato.
Os Douglas DC-7C eram, à
época, as aeronaves a pistão de maior alcance, com capacidade de
atravessar o Atlântico Norte sem escalas. A Panair queria
empregar tais aeronaves nos seus voos para a Europa, em
complemento aos Lockheed Constellation.
Os DC-7C eram bastante
luxuosos, possuindo acabamento superior ao dos Constellation da
Panair. A primeira classe dispunha de camas. O desempenho dos DC-7C
também era muito superior ao dos Constellation, pois voavam 40
Knots mais rápido em cruzeiro e tinham um alcance de 1.500
milhas náuticas a mais que o avião da Lockheed, o que permitia
redução do número de escalas.
Em 7 de abril de 1957, a
Panair recebeu três dessas aeronaves de um total de quatro
adquiridas. Elas receberam os prefixos PP-PDL, PP-PDM e PP-PDN.
Em 12 de julho de 1957, a
empresa recebeu seu último avião da encomenda original.
Fabricada em 1955, tendo recebido o número de série 44872/6434,
o PP-PDO, foi batizado como "Bandeirante Bartolomeu Bueno da
Silva" e, posteriormente, “Nicolau Barreto”.
O PP-PDO foi um protótipo
do DC-7C, operado pela Douglas, e havia sido utilizado nos
testes de fábrica e como demonstrador para clientes, antes de
ser entregue à Panair.
Clique
AQUI e leia mais sobre os Douglas DC-7 na Panair do Brasil.
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O
DC-7 PP-PDO - Foto: Coleção Vito Cedrini
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Reprodução de jornal da
época
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Reprodução dos jornais: Folha de S.Paulo, Jornal do
Brasil e Última Hora |
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Texto e edição de imagens
por Jorge Tadeu da Silva |
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Fontes de pesquisa:
ASN / Jornal do Brasil / Última Hora
Folha de S.Paulo /
forum.aeroentusiasta.com.br
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Wikipédia
Livro "O
Rastro da Bruxa", de Carlos Ari César Germano da SIlva (EDIPUCRS)
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