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Quando a Madre Superiora
Marie Louise Pardieu embarcou no Voo 202 da Pan American, no Rio de
Janeiro, na tarde da segunda-feira 28 de abril de 1952, não sabia que
jamais chegaria ao seu destino final. Nem ela nem nenhum outro entre
todos os ocupantes do Boeing 377 da Pan American World Airways. Talvez,
durante o voo, ela tivesse feito uma prece silenciosa e passado as
contas do terço entre seus dedos enquanto embarcava. O fato é que, numa
noite calma, ela e seus companheiros decolaram para a sua última
jornada. O desaparecimento do Boeing 377 Stratocruiser da Pan Am foi um
dos grandes mistérios da época dourada da aviação.
Nesta foto o avião
ainda estava com as cores do fabricante, a Boeing. |
Silêncio no céu
O voo PA202 era um dos serviços que
uniam o Brasil aos Estados Unidos pelas asas da Pan American. Naquele
dia, escalado para o serviço estava um dos espaçosos Boeing 377
Stratocruiser 1-26 da frota da empresa, o de prefixo
N1039V, batizado 'Clipper Good Hope'.
Construído em
setembro de 1947, o Clipper Good Hope recebera o prefixo N1039V e seu
número de série do fabricante era o 15939. Ele podia transportar 81
passageiros e tinha um alcance de aproximadamente 6.400 km.
O Stratocruiser era um luxuoso
avião comercial derivado do bombardeiro B-29 Superfortress. Tinha dois
conveses, beliches, um bar, e estava equipado com quatro motores radiais
Pratt & Whitney R-4360 Wasp. A Boeing construiu um total de 56 dessas
aeronaves, 26 das quais serviram na Pan American até 1960.
Nenhum destes
aviões da companhia sobreviveu, embora alguns remanescentes tenham sido
incorporados à família Guppy da Aero Spacelines/Airbus Industrie, e
alguns exemplares militares C/KC-97 Stratotanker (construídos em grande
número) ainda existam.
Este serviço era chamado pela Pan
American de "O Presidente Especial", e havia iniciado a sua jornada em
Buenos Aires, onde decolou às 18h52min (UTC) de 28 de abril de 1952,
iniciando o voo 202.
Depois de uma escala em Montevidéu,
seguiu até o Rio de Janeiro, onde pousou no aeroporto do Galeão a 1h05
min (GMT) de 29 de abril de 1952. Durante a viagem foram relatados
problemas nos sistemas elétricos e superaquecimento dos motores, que
seriam alvo de inspeção no Rio, sendo a aeronave reparada.
A noite, então, deu-se uma troca de
tripulação, um procedimento de rotina. A aeronave foi reabastecida e
preparada para a longa viagem até Port of Spain, a capital de Trinidad e
Tobago, próxima escala até ao destino final, o Aeroporto de Idlewild, em Nova York,
nos Estados Unidos da América. Seria um voo de 1.930 km
sobre a Amazônia até Port Of Spain, em Trinidad e Tobago.
Após terem embarcado todos os
passageiros, o Clipper Good Hope, nome de batismo do Stratocruiser,
decolou da pista 32 do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro às
22h43min (hora local) e subiu lentamente na direção noroeste.
Naquela noite, o Comandante Albert
Grossarth (37 anos) era o piloto no comando do PA202, e contava com
8.452 horas de voo, das quais 735 no Boeing 377. Com uma tripulação de
nove pessoas, o Clipper Good Hope transportava 41 passageiros. Em seus
tanques, na hora da partida do Rio de Janeiro, transportava 28.000
litros de combustível.
Era uma noite calma com bom tempo e
o voo 202 seguia rotineiramente. Assim, o Clipper Good Hope solicitou
autorização para voar diretamente a Port of Spain, deixando de seguir
pelas aerovias convencionais para sobrevoar áreas inexploradas de
floresta. Após ter sua autorização concedida, a aeronave sobrevoou
regiões inóspitas dos estados de Goiás e Pará.
Na madrugada de 29 de abril, o
Clipper Good Hope, confirmara sua posição no radiofarol de Barreiras
(Bahia) às 1h15 (horário local), voando a uma altitude de 4.400 m
(14.500 pés), tendo sido essa sua última comunicação com os
controladores de tráfego aéreo.
O Clipper Good Hope deveria
confirmar na manhã de 29 de abril sua posição no radiofarol de Carolina,
Maranhão, porém nenhuma mensagem foi enviada. Pelas ondas do rádio, os
controladores de terra ouviram somente o agourento ruído da estática. Do
Boeing 377, apenas o silêncio.
Jornal Última Hora,
29.04.1952
O atraso do voo 202 preocupava a
Pan Am e as autoridades, que declararam emergência após o Clipper Good
Hope não ter chegado a Port of Spain.
Busca dramática
Sem ter reportado sua posição nem
ter chegado a Port Of Spain, sua próxima escala, foi declarada
emergência. As buscas para tentar localizar o avião perdido começaram
tão logo o dia raiou. Um total de 21 aviões brasileiros e
norte-americanos varreu uma área de selva de aproximadamente 828.500
km2, com inúmeros rios e pântanos. O padrão de busca percorria a rota
que deveria ter sido seguida pela aeronave desaparecida. Na tarde do
segundo dia, os aviões envolvidos na busca chegavam a 40.
Jornal A Noite,
30.04.1952
No final da manhã do terceiro dia,
1º de maio, o Comandante James Kowing, que voava num cargueiro Curtiss
C-46 da Pan Am viu, por acaso, uma aérea queimada em meio ao verde da
selva. Inclinando seu avião, ele desceu para ver melhor e encontrou o
que não queria: com um diâmetro de 25 m aberto no ventre da selva,
jaziam os restos do Stratocruiser: cockpit, parte da cabine e uma asa do
Clipper Good Hope denunciavam a tragédia.
Em outra clareira próxima, Kowing
constatou a presença de um motor e a da outra asa. Kowing imediatamente
entrou em contato pelo rádio com Belém, PA, onde se localizava a base
mais próxima da Pan Am e continuou a circular sobre o local procurando
em vão por sinais de vida. Aparentemente, o Stratocruiser se
desintegrara em voo e caíra na selva, quase na vertical.
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A trajetória do
voo e o local da queda
Imagem: Revista Flap
Internacional nº 369 – junho de 2003 |
O resgate
No Rio de Janeiro correram boatos
de que o Clipper Good Hope transportava passageiros abastados que
viajavam com diamantes e ou que uma explosão (causada por um
carregamento de urânio) havia derrubado a aeronave. Esses boatos
iniciaram uma verdadeira corrida aos destroços, movidas por aventureiros
em busca de fortuna. Para evitar saques aos destroços, o governo
brasileiro interditou o acesso à região do desastre.
Caravana da Solidariedade
A maioria dos passageiros do
Clipper Good Hope era brasileira, e logo os parentes das vítimas
começaram a acusar os oficiais de estarem demorando demais em organizar
a expedição até o local do desastre.
A imprensa sugeria também que
talvez houvesse sobreviventes esperando para serem resgatados. "Onde
estão os bravos brasileiros que deveriam ter saltado de para-quedas na
selva para resgatar aqueles pobres passageiros?" perguntava um
editorial.
Aproveitando-se politicamente do
desastre, Ademar de Barros e Lino de Matos se aproveitaram das
esperanças dos parentes das vítimas e organizaram uma expedição de
resgate chamada Caravana de Solidariedade. Adhemar de Barros, que estava
em campanha para a presidência do país, afirmou que poderia "mitigar a
insuportável angústia" dos parentes financiando sua própria expedição.
Com o apoio da direção da empresa
Aerovias Brasil e da Força Pública de São Paulo, selecionaram 30
pessoas, sendo 14 militares da Força Pública que foram lançados de
paraquedas de duas aeronaves cedidas pela Aerovias. Os civis que
integravam o grupo receberam a promessa de serem recompensados com a
posse de possíveis bens valiosos que se encontravam nas bagagens do
Clipper Good Hope.
A caravana de Solidariedade
partiria de São Paulo no dia 8 de maio com destino a Araguacema. Os
homens da expedição foram lançados de paraquedas e abriram clareiras na
mata com bananas de dinamite.
A cada barulho ouvido pelos seus
homens na selva até então inexplorada, rajadas de tiros eram disparadas
para todos os lados. Havia entre eles, o temor de serem atacados por
onças, índios selvagens, etc. Inexperiente e pouco provida de
equipamentos e suprimentos, a Caravana de Solidariedade causou mais
preocupações para as autoridades do que a queda da própria aeronave.
Expedição oficial
A FAB e a Força Aérea dos Estados
Unidos organizaram em conjunto com a Pan Am uma expedição para resgatar
os corpos e coletar peças e dados para as investigações. Por conta do
local da queda ser de mata fechada, só podia ser alcançado apenas por
paraquedistas e picadas abertas na mata.
A unidade de busca e salvamento da
Força Aérea dos Estados Unidos foi enviada do Campo Ramay, em Porto
Rico. Liderada pelos majores Richard Olney e Oliver Seaman, este um
cirurgião da Força Aérea, essa unidade de nove homens altamente
qualificados foi preparada para ser lançada de para-quedas no local da
queda e prestar ajuda aos possíveis sobreviventes.
Após circular o local a baixa altitude (60 m) durante
algumas horas, eles não perceberam nenhum sinal de vida e voltaram à sua
base.
Oficiais do Brasil e dos Estados
Unidos decidiram abrir uma trilha de 56 km na selva para chegar ao local
da queda. A expedição seria liderada pelo norte-americano Humphrey W.
Toomey, gerente da divisão latino-americana da Pan Am e pelo major
brasileiro José Carlos de Miranda Corrêa, um veterano da Segunda Guerra
Mundial.
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Consolidated
Catalina da Panair do Brasil - PP-PBY
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O plano previa voar com aviões de
transporte de Belém até Araguacema, localizada à beira do rio Araguaia.
De lá, os suprimentos e o pessoal seriam carregados a bordo de um
anfíbio Consolidated PBY Catalina pertencente à Panair do Brasil,
subsidiária da Pan Am. O Catalina iria voar até Lago Grande, também
localizada sobre o Rio Araguaia.
Lá eles estabeleceriam uma base para
fazer uma clareira de 60 m de diâmetro que possibilitasse o pouso de um
helicóptero Sikorsky. Entretanto, antes de que isso pudesse ser feito, a
primitiva pista de Araguacema devia ser melhorada a fim de permitir o
pouso dos grandes aviões de transporte necessários para levar homens e
material.
O fazendeiro Antonio Solino havia
utilizado a pista de Aragucema para fazer transporte de carne. Ele era
apontado como sendo a pessoa que melhor conhecia essa área da selva.
Além disso, ele era amigo dos índios Carajá e sabia falar a sua língua.
Ele foi recrutado para guiar a expedição até o local do desastre, e a
sua experiência resultou de grande valia nas semanas seguintes.
A USAF
forneceu um Fairchild C-82 Packet e um Douglas C-47 da Base Aérea McDill,
em Tampa, na Florida (EUA). Ambos os aviões voaram diretamente até
Belém; o Packet chegou transportando um mecânico de C-82, oito kits de
sobrevivência na selva e um médico com suprimentos.
Em Belém, Charles Manly e Ralph Dobbins
da Pan Am, e John Cogswell da Pratt & Whitney, embarcaram no C-82 da
USAF para a viagem de três horas e meia até a pista de Araguacema. Eles
sobrevoaram duas vezes a pista de terra e grama e pousaram. Não foi
fácil. Havia árvores altas em ambas as extremidades e ainda por cima, a
pista era mesmo muito curta. Os passageiros desceram e o avião voltou
para Belém a fim de trazer os suprimentos necessários.
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Helicóptero S-51 da
USAF |
Na viagem de volta de Belém, o C-82
Packet chegou a Araguacema transportando um helicóptero S-51 da USAF
desmontado, enquanto o C-47 pousava com o guindaste que foi utilizado
para remontar o helicóptero. Durante o processo de descarga e remontagem
do helicóptero, o eixo do rotor da cauda foi torcido. Um conserto foi
tentado no local, mas o resultado não foi muito bom. Este fato traria
sérias conseqüências para a expedição.
Como os destroços haviam sido
localizados numa área inexplorada, que se sabia era habitada por uma
tribo hostil, os integrantes da expedição foram aconselhados a tomar
todo tipo de precauções e irem armados com pesadas e desconfortáveis
pistolas Colt 45.
Na medida em que os integrantes da
expedição aprofundavam-se na selva, foram percebendo a ausência da luz
do Sol, provocada pelas altas e fechadas árvores. Quando o grupo chegou
a um córrego e foi encher seus cantis percebeu que eles já estavam quase
vazios. A falta de água tornou-se crítica e os homens pediram que ela
fosse lançada em cantis pelo helicóptero, na medida em que se adentravam
na selva.
Além disso, sacos de lona, com observações indicando o rumo
correto, também poderiam ser lançados pela aeronave de resgate, para
auxiliar na jornada. A maior parte desses suprimentos nunca chegou até a
expedição, pois ficou presa nos galhos mais altos das árvores.
Um método alternativo foi tentado,
utilizando cordas de 30 m de comprimento para descer as cargas desde o
helicóptero em voo pairado. Mais uma vez o topo das árvores impediu que
os suprimentos chegassem ao solo. Enquanto isso, o Catalina também
estava sendo preparado para lançar suprimentos. Quando o pessoal da
expedição ouvisse os motores do avião deveria fazer sinais luminosos e o
avião lançaria a carga no local.
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Mapa usado nas
buscas do Pan Am |
Quando os aventureiros estavam
chegando ao final da sua jornada, ficaram sabendo que outro grupo havia
sido lançado de para-quedas e estabelecido um acampamento a 6 km do
local da queda do Stratocruiser. Chamados por eles mesmos de "Caravana
da Solidariedade", esses homens haviam sido recrutados e financiados por
Adhemar de Barros o qual, anteriormente já havia criticado o lento
progresso das investigações oficiais.
De posse dessa informação, o grupo
oficial tentou localizar os recém chegados e estabelecer um certo
relacionamento de trabalho, apesar de estarem preocupados com a falta de
experiência e o amadorismo dos integrantes da "Caravana", que poderia
estragar valiosas evidências referentes à causa da tragédia. Além do
mais, os mortos deviam ser enterrados e os objetos pessoais dos
passageiros e o correio recuperados
Trágica corrida
Ralph Dobbins lembra que a
expedição não oficial parecia "um grupo de grosseiros e intratáveis
atores". Apesar do medo de que alguns deles já tivessem chegado ao local
da queda, eles ficaram surpresos ao ver que a maioria deles ainda se
encontrava no local onde pousara.
A verdade era que aqueles homens
estavam apavorados lá na selva, especialmente à noite, quando a
cacofonia de sons crescia a níveis ensurdecedores e a imaginação corria
solta. Eles haviam estabelecido pontos de observação nas árvores para se
prevenir de ataques de "índios canibais" e, ao cair da noite, eles
reagiam a qualquer barulho nos arbustos jogando cartuchos de dinamite ou
granadas de mão e disparando rajadas de metralhadora. Tudo isso criou
uma grande tensão no grupo oficial.
Depois várias discussões foi
iniciada a caminhada dos seis últimos quilômetros. A sede e as
dificuldades para abrir o caminho cobraram suas vítimas e, quando
chegaram ao local do desastre, das 27 pessoas que faziam parte do grupo
oficial, apenas restavam sete. A maioria havia sucumbido às doenças e
ferimentos.
No dia 14 de maio, a expedição
paulista chegou ao local do acidente, tendo recolhido corpos e demais
pertences dos destroços sem autorização para tal.
A confirmação de que a parte
principal da aeronave havia descido quase verticalmente em atitude
horizontal, foi confirmada pela visão de uma árvore de 10 cm de diâmetro
que havia perfurado a carenagem de um dos motores. Desafortunadamente, o
fogo que seguiu à queda foi tão intenso que a maior parte dos
componentes de alumínio derreteu, tornando impossível um exame
detalhado.
Jornal A Noite, 07.05.1952
Os restos do Boeing 377 estavam
espalhados numa área irregular com 1.200 m de largura, embora o local
principal fosse um buraco queimado de 30 m de diâmetro entre as árvores.
Os destroços haviam caído ao solo
em três seções principais. A maior parte dos destroços, incluindo a
fuselagem, a asa de estibordo ou direita, a raiz da asa de bombordo ou
esquerda (incluindo a nacela do motor nº 2, mas não o motor em si) e os
motores nºs 3 e 4 (normalmente anexado à asa de estibordo) caiu em uma
área de floresta densa a cerca de 13 milhas náuticas (15 milhas; 24 km)
a noroeste do acampamento base.
A asa externa de bombordo e o motor
nº 1 caíram 765 jardas (2.295 pés; 700 m) a noroeste dos destroços
principais; a empenagem e as partes fraturadas do motor nº 2
(normalmente preso à asa de bombordo) caíram cerca de 1.100 jardas
(3.300 pés; 1.000 m) ao norte dos destroços principais e 800 jardas
(2.000 pés; 700 m) a nordeste do porto asa.
Embora o motor nº 2 e sua hélice
não tenham sido encontrados, evidências na raiz da asa de bombordo, na
nacela do motor nº 2, na borda dianteira do estabilizador vertical e no
estabilizador horizontal levaram os investigadores a acreditar que o
motor e/ou hélice havia falhado no voo.
A lista de itens recuperados
escrita pelos investigadores era uma fotografia dos trabalhadores, das
crianças e dos viajantes ricos que morreram juntos – brinquedos, um rolo
de filme Kodak amassado, um distintivo de lapela de comissário de bordo
e carteira de sindicato, uruguaio, brasileiro, Passaportes argentinos,
canadenses e ingleses, milhares de dólares em cheques de viagem, cartões
telefônicos, relógio de ouro, colar de pérolas, fotografia de menina.
Os 50 ocupantes do Clipper Good
Hope eram de nove nacionalidades diferentes:
Ao final dos trabalhos de coleta de
peças, fotos, bagagens e cadáveres, os membros da expedição oficial
começaram a ser removidos da selva por meio do helicóptero da USAF, que
transportava apenas um passageiro por vez, por conta de restrições
técnicas causadas pelo problema ocorrido na montagem.
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Fotos anexadas para
a investigação das causas do acidente
Imagem: PanAmerican
World Airways Collection, University of Miami Librariese |
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Envelope da Pan
American com os dados sobre a investigação do acidente
Imagem: PanAmerican
World Airways Collection, University of Miami Librariese |
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Momento de oração
pelos mortos no local da queda da aeronave
Imagem: PanAmerican
World Airways Collection, University of Miami Librariese |
Chega ao fim a busca
O importante trabalho de
investigação do acidente teve de ser interrompido para enterrar os
mortos. Após reassumir os trabalhos, os homens foram informados de que o
helicóptero que deveria lhes trazer alimentos e água estava com graves
problemas de vibração provocados pelo incidente durante a montagem,
ficando decidido que a aeronave seria utilizada apenas para lançamentos
de emergência e evacuação do pessoal. O helicóptero era uma espécie de
cordão umbilical e, sem ele, os homens poderiam não ter sobrevivido.
Os
pilotos da USAF, capitães John Miller e John Peacock, arriscaram
continuamente suas vidas e voaram mais de 3.200 km para abastecer a
expedição. Se o helicóptero tivesse caído durante uma das muitas viagens
e alguns dos ocupantes houvesse sobrevivido à queda, teria sido
impossível resgatá-lo.
Inicialmente, os integrantes da
expedição haviam planejado passar até duas semanas no local, mas devido
à contínua falta de água e à deterioração da saúde dos homens, ficou
decidido que todos eles seriam evacuados e levados à civilização depois
de apenas dois dias. Surpreendentemente, muita coisa foi realizada em
tão pouco tempo. Desenhos e diagramas com a distribuição dos restos
foram feitos, e muitas fotografias foram tiradas.
A medida que o tempo passava, a
tensão crescia entre o grupo oficial e os pára-quedistas, pois estes
últimos haviam sido levados a acreditar que havia uma fortuna a bordo do
avião acidentado, e que ela seria o pagamento pela sua participação na
aventura. Numa ocasião, quando o helicóptero jogou dois cantis de água,
um deles quebrou, e o outro foi pego pelos pára-quedistas, que se
recusaram a dividir seu conteúdo com os outros.
Quando Adhemar de Barros
mandou o grupo para a selva, não fez quaisquer planos para abastecê-los
com alimentos ou água. Os para-quedistas deveriam confiar no grupo
oficial para satisfazer as suas necessidades e nada foi previsto para
retirá-los de lá.
O único meio de transporte que o
grupo oficial possuía para deixar a selva era o helicóptero. Ficou claro
para todos que, devido ao seu estado de saúde, se eles tivessem de
voltar a pé, alguns não conseguiriam chegar.
Como as condições do
helicóptero pioravam visivelmente, planos foram feitos para evacuar o
grupo o mais depressa possível. Normalmente, o Sikorsky voava com os
dois pilotos como medida de segurança, entretanto, a fim de aumentar a
capacidade de passageiros, o helicóptero voou apenas com um tripulante,
deixando o assento do copiloto para um evacuado.
Os para-quedistas logo perceberam
que seriam deixados para trás, sem possibilidades de escapar. Eles se
reuniram em pequenos grupos e, apontando ameaçadoramente suas armas,
forçaram seu lugar no helicóptero. Lino de Matos, o líder dos
pára-quedistas apontou sua arma para o major Miranda Corrêa, um dos
líderes do grupo oficial e gritou: "Nenhum outro americano vai sair
daqui até que todos os meus homens sejam evacuados!"
Após uma acalorada discussão
chegou-se a um acordo: todos os membros da expedição poderiam ir embora,
exceto dois que deveriam ficar como reféns dos para-quedistas (o major
Corrêa se ofereceu para ser um deles, o outro seria Scott Magness, um
norte-americano especialista em comunicações). Eles também exigiram que
o helicóptero voltasse com uma serra motorizada, para abrir uma pista na
selva para que pudesse pousar um pequeno avião.
Quando as primeiras informações
sobre estes impressionantes acontecimentos chegaram ao mundo exterior,
os jornais começaram a publicar suas histórias. A manchete do New York
Times de 19 de maio de 1952 dizia: "Brasileiros retém ajuda
norte-americana na selva, exigem transporte aéreo da cena do desastre".
Logo todos os canais diplomáticos estavam trabalhando. O embaixador dos
Estados Unidos, Herschel Johnson, interveio, e da Força Aérea Brasileira
veio a mensagem: "Destacamento de para-quedistas armados decolando do
Rio De Janeiro. Ordenada a libertação imediata do Sr. Scott Magness."
Nesse meio tempo, Corrêa e Magness
enviaram uma mensagem informando que eles não estavam feridos e não
precisavam de assistência. Logo, uma primitiva pista de pouso foi
construída e um Piper Super Cub começou a retirar as pessoas do local.
Em 28 de maio, todos haviam voltado à civilização, mas as causas do
acidentes permaneciam desconhecidas.
A investigação
A CAB liderou a comissão de
investigação do acidente. Inicialmente, as poucas informações de
testemunhas em terra indicavam que a aeronave explodira em pleno ar,
hipótese inicialmente descartada.
Houve dois incidentes anteriores de
separação do motor com o 377, em 24 e 25 de janeiro de 1950. Neste caso,
os investigadores levantaram a hipótese de que a falha da hélice fez com
que o motor experimentasse cargas altamente desequilibradas e
eventualmente se separasse da aeronave, precipitando uma separação
durante o voo. Detritos da hélice e do motor podem ter contribuído para
a ruptura, danificando as superfícies de controle após serem
arremessados da asa de bombordo durante a falha.
Baseada nos parcos destroços
encontrados no local do acidente, estimou que a causa da queda foi um
disparo de hélice sucedido por superaquecimento dos motores.
Posteriormente, as pás da hélice escaparam da mesma e atingiram a
fuselagem da aeronave.
Com o impacto, abriu-se um rombo na
fuselagem e ocorreu um despressurização explosiva que acabou derrubando
a aeronave. Os motores R-4360 Wasp sofriam frequentemente panes e
superaquecimento, de forma que causaram um grande atraso no projeto do
Stratocruiser.
Clique
AQUI para acessar o impressionante relato das buscas pelo avião [em
inglês]
Consequências
Alguns meses depois,
outro Stratocruiser sofreu um acidente, quando perdeu uma passageira
em pleno voo. A aeronave sobrevoava o Rio quando sofreu um problema em
uma de suas portas. Durante o voo a porta se abriu e uma passageira foi
sugada para fora da aeronave, desaparecendo nas águas da Baía de
Guanabara.
Esse incidente forçou a Pan Am a
substituir, nessa rota, os problemáticos Stratocruiser (transferidos
para a rota do hemisfério norte) pelos novos Douglas DC-6 e DC-7. O
indicativo de chamada do voo 202 desapareceu por volta de 1963, enquanto
que a Pan Am manteve a rota entre Buenos Aires e Nova Iorque até o
início dos anos 1990, quando a empresa decretou falência.
Apesar do acidente, a Pan Am
batizou outras duas aeronaves nas décadas seguintes com o nome Clipper
Good Hope.
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Curtiss Wright C-46A
Commando - N74173 utilizado na retirada dos mortos
(Localização atual
do avião: Aeroporto Chino (KCNO) - Califórnia - EUA) |
Em 8 de agosto de 1952, os corpos
das 50 vítimas do Clipper Good Hope foram retirados da selva, e em
seguida, enterrados no cemitério São Francisco Xavier, no Rio de
Janeiro. Acabou assim uma das mais fascinantes e trágicas páginas da
história da aviação comercial no Brasil.
Fontes: Santiago Oliver -
Jetsite / Site Desastres
Aéreos /
theappendix.net /
ASN
Texto final e edição de imagens
por Jorge Tadeu da Silva .
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